Bepe Damasco: a ofensiva da calhordice

 

  Que tipo de interseção pode haver entre dois episódios aparentemente  distintos que marcam o início de 2012? 1)    Um bando de descerebrados, inocentes úteis cuja autoimolação moral serve aos interesses comerciais de uma concessão pública, protagonizam cenas de glamourização do alcoolismo que culminam com sexo não consentido entre um "brother" e uma "sister", durante […]


Publicado por em 25/01/2012.

 

Que tipo de interseção pode haver entre dois episódios aparentemente  distintos que marcam o início de 2012?

1)    Um bando de descerebrados, inocentes úteis cuja autoimolação moral serve aos interesses comerciais de uma concessão pública, protagonizam cenas de glamourização do alcoolismo que culminam com sexo não consentido entre um "brother" e uma "sister", durante a latrina global conhecida como Big Brother Brasil;

2)    2) Os tucanos paulistas lançam mão de métodos nazifascistas de repressão a seres humanos dizimados pelo vício do crak. Em vez de acolhimento sócio-sanitário e tratamento de saúde, porrada e a tortura provocada pela abstinência abrupta. Os dois casos guardam entre si duas premissas muito caras ao pensamento direitista à brasileira : o desprezo solene pelo interesse público e a ausência de um mínimo de sensibilidade social.

Na megaoperação tucana contra os zumbis da Cracolância em São Paulo, coube ao secretário de Justiça de governo Geraldo Alckimim a frase-síntese da adesão tucana à tortura como estratégia de higienização da capital paulista : " Desalojados e vagando pela cidade, os viciados, com a dor e o sofrimento causados pela abstinência, terão que procurar tratamento." Simples e terrível assim. Note-se que a repressão feroz foi implementada sem que São Paulo dispusesse de um centro de acolhimento e tratamento de viciados sequer, uma vez que a inauguração do primeiro deles vem sendo seguidamente adiada.

A pressa em "limpar" a região central de São Paulo, especialmente os bairros da Luz e de Santa Efigênia, tem tudo a ver com o interesse da prefeitura e do governo na execução de gigantescos projetos imobiliários. De tão grotesca e desumana, a estratégia tucana de enfrentamento da epidemia do crack ensejou uma quase unanimidade crítica entre médicos e demais profissionais especializados no assunto, juristas, organizações de direitos humanos e Ministério Público. Todos enfatizam que vício de drogas não é caso de polícia, e sim de assistência social e de saúde.

Além de ineficaz do ponto de vista prático e operacional, já que expulsos de uma região os viciados vagam pelas ruas até se instalarem em outro ponto, a metodologia tucana se choca violentamente com que há de mais avançado no mundo em termos de tratamento de dependentes químicos, que tem como base as medidas socio-sanitárias e as narcossalas para consumo controlado, até que o tratamento surta efeito, como vem sendo posto em prática com sucesso em Frankfurt, na Alemanha.

Já o caso de estupro no BBB não pode de forma alguma ser eclipsado pela decisão da Globo de afastar o rapaz por "comportamento gravemente inadequado". O buraco é bem mais embaixo. Se o espaço eletromagnético é público e as emissoras de rádio e TV no Brasil são, portanto, meras concessões públicas, a cobrança tem que ser a seguinte : a Rede Globo tem o direito de invadir a casa das pessoas todas as noites com um enlatado de origem holandesa que exala mau cheiro por todos os lados ? O Eduardo Guimarães, do blog da Cidadania, lembrou que tem criança de 10 anos discutindo o que teria acontecido sob o edredom global na noite do último sábado. Isso é justo ?

Pode uma emissora de televisão submeter uma leva de imbecis, ávidos por alguma notoriedade e inebriados pela chance abocanhar um milhão e meio de reais, a toda sorte de humilhações, torturas psicológicas e privações físicas, como se espremer dentro de um carro por 24 horas. Tanta nojeira, a gente sabe, rende bilhões para a Globo. A cota dos patrocinadores do BBB é a mais cara da emissora e supera até a do Jornal Nacional, da novela das nove e das transmissões de futebol.

Não concordo com a argumentação de que como não existe regulamentação da mídia no Brasil, não há a quem reclamar. Claro que há. O capítulo da Constituição brasileira que trata dessas outorgas é claro quanto aos compromissos das concessionárias com os direitos humanos, a ética e o respeito aos valores da sociedade. Até quando os barões da mídia brasileira continuarão fazendo letra morta das leis do país?

Fonte: Blog do Bepe