Cinqüenta e dois anos atrás, em 21 de março, crianças, mulheres e homens negros do bairro de Shaperville, periferia de Joanesburbo, cidade mais populosa da África do Sul, foram às ruas. Em pleno regime de segregação racial mais de 20.000 jovens, sob a direção do Congresso Nacional Africano – CNA, manifestavam sua oposição à […]
Cinqüenta e dois anos atrás, em 21 de março, crianças, mulheres e homens negros do bairro de Shaperville, periferia de Joanesburbo, cidade mais populosa da África do Sul, foram às ruas. Em pleno regime de segregação racial mais de 20.000 jovens, sob a direção do Congresso Nacional Africano – CNA, manifestavam sua oposição à lei do passe, que os obrigava a portarem cartões de identificação, especificando os locais por onde poderiam circular. A manifestação pacífica foi violentamente atacada pelo exército que atirou contra a multidão, ferindo 186 pessoas e matando 69, dentre estas 10 crianças, numa demonstração inequívoca do caráter genocida daquele regime.
Em 1976 após muita pressão dos movimentos de luta contra o racismo do mundo inteiro, a ONU instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, condenando aquele regime que, no entanto, só teve fim em 1994 com a chegada de Nelson Mandela ao poder.
A história dos negros sul-africanos, assim como a dos brasileiros, é dolorosa e heróica. As conquistas são arrancadas com muita luta e os seus inimigos, apesar da distância geográfica, são os mesmos: os descendentes do poder colonial europeu constituídos em oligarquias, que desde então mantêm o poder econômico e, apesar das mudanças, boa parte do poder político.
Na África do Sul os netos e bisnetos dos ingleses e “bôeres” holandeses instituíram um regime onde os habitantes da nação por eles invadida eram considerados sub-humanos. No Brasil, após 350 anos de escravidão, os descendentes dos portugueses alijaram os negros do mercado de trabalho, impediram-lhe o acesso a terra e impuseram uma política de segregação disfarçada em “democracia racial” que teve como resultado a marginalização social da maioria da população.
Para desespero dos racistas, no entanto, o negro que luta aqui é o mesmo que luta lá e o levante dos oprimidos deu-se nos dois países. Após décadas de luta e 27 anos de prisão do seu principal dirigente, o CNA chega ao poder na África do Sul. No Brasil, a partir de 2003, com a eleição do primeiro operário presidente, se iniciou uma verdadeira revolução que está transformando profundamente a vida da população brasileira mais pobre, a grande maioria negros.
O governo Lula, assim que tomou posse, passou a implementarprograma com diretrizes para construção de políticas públicas, iniciando com a publicação da Lei 10.639, que inclui o ensino da historia do Continente Africano e dos negros do Brasil nos currículos escolares e a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR. Em um gesto carregado de simbolismo o presidente brasileiro foi ao continente africano se desculpar, em nome da nação, por todos os crimes praticados pelas elites ao longo de mais de três séculos.
Em gestos que foram muito mais do que simbólicos, este mesmo presidente nomeou cinco ministros negros, indicou um juiz negro para o Supremo Tribunal Federal, reconheceu e deu titularidade às comunidades remanescentes de quilombos, iniciou a implantação de diversas políticas de reparação, estabeleceu relações comerciais, diplomáticas e culturais com o continente africano. Criou o PROUNI e o FUNDEB, acelerou a reforma agrária, elevou drasticamente o salário mínimo, proporcionou a criação de mais de 15 milhões de empregos, incluiu em programas de transferência de renda 14 milhões de famílias, promovendo a ascensão social de mais de 30 milhões de brasileiros.
Sabemos que a melhora das condições de vida da população negra se deu não apenas devido às políticas públicas, mas resultado da organização do movimento negro, do movimento sindical e o crescimento da consciência racial do nosso povo.
Esse crescimento e amadurecimento permitiu que chegássemos a um momento muito especial de nossa história.Os negros brasileiros e sul africanos têm muito a comemorar em 21 de março de 2012. Não esquecemos, contudo, que muito precisa ser conquistado. Nossos jovens ainda sofrem com a violência policial, o desemprego e a falta de escolas. Continuamos sendo as principais vítimas da falta de atendimento à saúde, somos os que têm as maiores jornadas e os nossos salários se mantém inferiores a de brancos que realizam os mesmos trabalhos. A representação política segue inferior ao nosso peso social e as manifestações religiosas e culturais de matriz africana seguem criminalizadas, desprezadas e deturpadas pelo poder instituído e pela mídia.
O vinte e um de março para os negros brasileiros – e certamente também para nossos irmãos da África do Sul – permanecerá sendo um dia deluta contra o luto uma vez que ainda está longe o dia em que no Brasil (e no mundo) o racismo deixe de promover vitimas. Apesar dissoa nossa luta tem demonstrado que dia a dia acumulamos vitórias, promovemos a eliminação do racismo e da discriminação racial. Muitos passos foram dados, mas muitos ainda restam!
Ocupar espaços na institucionalidade, trabalhar pela unidade do movimento negro, pelo empoderamento das suas lideranças, denunciar cotidianamente o racismo, promover a igualdade racial na educação, no trabalho, nos espaços de poder e na mídia. São algumas tarefas que a conjuntura coloca para aqueles que abraçaram a luta por um pais sem racismo.
Escrito por: Maria Júlia Reis Nogueira, Secretária Nacional de Combate ao Racismo e Ramatis Jacino, presidente do INSPIR
Fonte: Agência CUT