João Cândido, um símbolo do Brasil

 

Há 102 anos, no dia 22 de novembro de 1910, o marinheiro João Cândido Felisberto liderou uma revolta da Armada, que desafiou o Estado brasileiro e libertou o País de uma prática de crueldade contra homens negros e pobres, que era recorrentemente utilizada pela Marinha, para punir marujos considerados infratores por meio de chibatadas. O […]


Publicado por em 22/11/2012.

Há 102 anos, no dia 22 de novembro de 1910, o marinheiro João Cândido Felisberto liderou uma revolta da Armada, que desafiou o Estado brasileiro e libertou o País de uma prática de crueldade contra homens negros e pobres, que era recorrentemente utilizada pela Marinha, para punir marujos considerados infratores por meio de chibatadas.

O movimento ficou conhecido como a Revolta da Chibata, tornou-se uma página importante da História contemporânea do Brasil e transformou João Cândido num herói nacional e referência da luta pelos direitos humanos em nosso País.

O reconhecimento a João Cândido foi tardio, mas ele faz jus à celebração que atualmente lhe prestam o próprio Estado brasileiro, os meios políticos e acadêmicos e até da imprensa, que à época do acontecimento foi reacionária, negando ao marinheiro, conhecido como o Almirante Negro, uma citação digna a que todo herói nacional tem direito.

Em entrevista para o Jornal da ABI, por ocasião do relançamento do livro“A revolta da Chibata”, do jornalista Edmar Morel, o historiador e professor Marco Morel (neto do autor) disse que a imprensa brasileira tinha sido quase que unânime na condenação da revolta.

Posição conservadora

Marco Morel fez essa constatação quando estava fazendo uma pesquisa para o Projeto Memória “João Cândido — A luta pelos direitos humanos”. Segundo ele, os jornais se posicionaram de forma muito conservadora, a única cobertura imparcial que ele observou foi a doCorreio da Manhã, que condenava com firmeza a violência com que a Marinha tratava seus marujos. “Os jornais extravasavam muito preconceito racial em charges, caricaturas, artigos e editoriais”, afirmou Morel.

Para se ter uma ideia do tratamento dado pelos jornais à revolta dos marinheiros, em nenhum deles o assunto foi matéria de capa ou publicado nas páginas iniciais do noticiário. O Jornal do Brasil, por exemplo, só comenta o assunto na página 9.

O que se percebe na leitura dos jornais da época é que a reação ao levante, por parte da imprensa era de que o Governo deveria agir com firmeza no controle da situação. Não se lia manifestações de preocupação ou apuração dos motivos reais que levaram João Cândido e seus liderados a se rebelarem contra os seus comandantes.

Na edição de 23 de novembro de 1910, o Jornal do Commercio, um dos mais tradicionais da antiga Capital, publicou uma matéria sob o título “Sublevação da esquadra”. O texto diz que “a ameaça do bombardeio pesado sobre a população creou (grifo nosso) uma situação de sobressalto que ainda perdura”.

Mais adiante a matéria apela ao então recém empossado Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, para que a cidade não seja bombardeada e haja derramamento de sangue: “Procurando concatenar da melhor maneira a narrativa dos lamentáveis successos(sic), que tanto confrangem o coração brasileiro, esperamos que o Sr. Presidente da República providencie com firmeza, mas também com a habilidade que a conjunctura (sic) exige, sem sacrifício de vidas e poupando a cidade os riscos e damnos (sic) da metralha”.

Golpe contra a República

Na Câmara dos Deputados, no dia seguinte ao levante, reuniram-se 107 parlamentares, para discutir sobre o movimento liderado por João Cândido. O pensamento predominante demonstrava preocupação em desarticular qualquer insinuação de que, por traz da revolta dos marinheiros, estivesse sendo engendrada uma manobra política, que pusesse em risco a República.

A sessão foi presidida pelo Deputado da situação Quintino Bocayuva. Em seu discurso ele afirmou ser imperioso informar à população brasileira, e aos países amigos do Brasil, que no “lamentável incidente” não estava envolvido nenhum pensamento político: “Não há, felizmente, entre nós nenhum partido que queira aceitara a co-responsabilidade de semelhante atentado”, afirmou o deputado.

A reação mais interessante partiu de Ruy Barbosa. Ao fazer uso da palavra, ele se dirigiu aos colegas para solicitar que fosse analisada com serenidade a “procedência ou improcedência das reclamações que, segundo consta, foram formuladas por parte dos insubordinados”.

Ruy Barbosa é o único que parece se preocupar com a violação dos direitos dos marinheiros revoltosos, que acabou provocando o motim. Disse que havia recebido com apreensão notícia de que a esquadra se revoltara.

Em um trecho do seu discurso Ruy Barbosa diz que os marinheiros são “cidadãos heróicos e modestos, preparados para a morte em defesa da nossa Pátria”. E que a sua insubordinação, apesar de dolorosa para o País, deveria ser analisada com cautela e sob o ponto de vista dos motivos que levaram à revolta.

“É preciso, porém, não esquecer a verdade e a justiça que jazem no fundo íntimo dessas reclamações. É preciso não desconhecer as reclamações dessa massa que se levanta, um princípio de direito de humanidade, um grande princípio de humanidade e de direito, mas os quais não podem ser reivindicados senão pelas armas que a nossa lei e a Constituição lhes asseguram”, disse Barbosa.

Símbolo da democracia

A revolta dos marinheiros aconteceu a bordo do navio “Minas Gerais”. Foi um ato de reação ao castigo de 250 chibatadas imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues, que fora acusado de ter maltratado um companheiro. O episódio foi o estopim para a explosão do motim que teve a participação de 2 mil marinheiros. Liderados por João Cândido, amotinados em navios fundeados na Baía de Guanabara, eles ameaçavam bombardear a então Capital Federal, caso a Marinha não decretasse o fim dos maus tratos físicos.

Ruy Babosa tinha razão sobre a ótica da humanidade, representada pela Revolta da Chibata. Mas este infelizmente não foi o entendimento dos comandantes navais. Apesar da suspensão dos castigos e da anistia concedida pelo Governo — por meio do Decreto Legislativo 2.280, de 25 de novembro de 1910 —, os revoltosos foram enviados pela Marinha para regiões longínquas da Amazônia, onde vários deles acabaram morrendo.

O movimento humanitário liderado por João Cândido só foi reconhecido há dois anos, quando ele recebeu a anistia post mortem, aprovada pelo Senado, em 13 de maio de 2008, por meio de ato legislativo, publicado no Diário Oficial , no dia 24 de julho do mesmo ano.

Para Adalberto Cândido, o Candinho, filho de João, mesmo atrasado o reconhecimento ao seu pai é visto com muita alegria pela família: — Vejo em geral o reconhecimento da sociedade em toda as regiões do País, por ele ter liderado esse movimento. Para a nossa família é muito importante que, nesse momento histórico, o meu pai esteja sendo reconhecido, inclusive no exterior. Ele agora é uma figura histórica mundial, virou um símbolo do Brasil e de outros países também, afirmou Candinho.

Com informações da Associação Brasileira de Imprensa